segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Eu sei, mas não devia

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos
e a não ter outra vista que não seja as janelas ao redor.

E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
E porque não olha para fora logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
E porque não abre as cortinas logo se acostuma acender mais cedo a luz.
E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado.
A ler jornal no ônibus porque não pode perder tempo da viagem.
A comer sanduíche porque não dá pra almoçar.
A sair do trabalho porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra.
E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja número para os mortos.
E aceitando os números aceita não acreditar nas negociações de paz,
aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita.
A lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.

E a ganhar menos do que precisa.
E a fazer filas para pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e a ver cartazes.
A abrir as revistas e a ver anúncios.
A ligar a televisão e a ver comerciais.
A ir ao cinema e engolir publicidade.
A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição.

As salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.
A luz artificial de ligeiro tremor.
Ao choque que os olhos levam na luz natural.
Às bactérias da água potável.
A contaminação da água do mar.
A lenta morte dos rios.

Se acostuma a não ouvir o passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães,
a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

Em doses pequenas, tentando não perceber, vai se afastando uma dor aqui,
um ressentimento ali, uma revolta acolá.
Se o cinema está cheio a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
Se a praia está contaminada a gente só molha os pés e sua no resto do corpo.
A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer.

Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo
e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se
da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida que aos poucos se gasta e, que gasta,
de tanto acostumar, se perde de si mesma.

(Marina Consolati)

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.
(Fernando Pessoa)

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Remix do século XX

Armar um tabuleiro de palavras-souvenirs.
Apanhe e leve algumas palavras como souvenirs.
Faça você mesmo seu micro tabuleiro enquanto jogo linguístico.

Babilaque
Pop
Chinfra
Parangolé
Beatnick
Vietcong
Bolchevique
Technicolor
Biquini
Pagode
Axé
Mambo
Rádio
Cibernética
Celular
Automóvel
Buceta
Favela
Lisérgico
Maconha
Ninfeta
Megafone
Microfone
Clone
Sonar
Sputinik
Dada
Sagarana
Estéreo
Subdesenvolvimento
Existencialismo
Fórmica
Arroba
Antivirus
Motoserra
Mega Sena
Cubofuturismo
Biopirataria
Dodecafônico
Polifônico
Naviloca
Polivox


(Composição de Adriana Calcanhoto e Waly Salomão)

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Em busca de Curitiba perdida

Curitiba, que não tem pinheiros, esta Curitiba eu viajo. Curitiba, onde o céu azul não é azul, Curitiba que viajo. Não a Curitiba para inglês ver, Curitiba me viaja. Curitiba cedo chegam as carrocinhas com as polacas de lenço colorido na cabeça - galiii-nha-óóó-vos - não é a protofonia do Guarani? Um aluno de avental discursa para a estátua do Tiradentes.

Viajo Curitiba dos conquistadores de coco e bengalinha na esquina da Escola Normal; do Jegue, que é o maior pidão e nada não ganha (a mãe aflita suplica pelo jornal: Não dê dinheiro ao Gigi); com as filas de ônibus, às seis da tarde, ao crepúsculo você e eu somos dois rufiões de François Villon. Curitiba, não a da Academia Paranaense de Letras, com seus trezentos milhões de imortais, mas a dos bailes no 14, que é a Sociedade Operária Internacional Beneficente O 14 De Janeiro; das meninas de subúrbio pálidas, pálidas que envelhecem de pé no balcão, mais gostariam de chupar bala Zequinha e bater palmas ao palhaço Chic-Chic; dos Chás de Engenharia, onde as donzelas aprendem de tudo, menos a tomar chá; das normalistas de gravatinha que nos verdes mares bravios são as naus Santa Maria, Pinta e Nina, viajo que me viaja. Curitiba das ruas de barro com mil e uma janeleiras e seus gatinhos brancos de fita encarnada no pescoço; da zona da Estação em que à noite um povo ergue a pedra do túmulo, bebe amor no prostíbulo e se envenena com dor-de-cotovelo; a Curitiba dos cafetões - com seu rei Candinho - e da sociedade secreta dos Tulipas Negras eu viajo. Não a do Museu Paranaense com o esqueleto do Pithecanthropus Erectus, mas do Templo das Musas, com os versos dourados de Pitágoras, desde o Sócrates II até os Sócrates III, IV e V; do expresso de Xangai que apita na estação, último trenzinho da Revolução de 30, Curitiba que me viaja.

Dos bailes familiares de várzea, o mestre-sala interrompe a marchinha se você dança aconchegado; do pavilhão Carlos Gomes onde será HOJE! só HOJE! apresentado o maior drama de todos os tempos - A Ré Misteriosa; dos varredores na madrugada com longas vassouras de pó que nem os vira-latas da lua.

Curitiba em passinho floreado de tango que gira nos braços do grande Ney Traple e das pensões familiares de estudantes, ah! que se incendeie o resto de Curitiba porque uma pensão é maior que a República de Platão, eu viajo.

Curitiba da briosa bandinha do Tiro Rio Branco que desfila aos domingos na Rua 15, de volta da Guerra do Paraguai, esta Curitiba ao som da valsinha Sobre as Ondas do Iapó, do maestro Mossurunga, eu viajo.

Não viajo todas as Curitibas, a de Emiliano, onde o pinheiro é uma taça de luz; de Alberto de Oliveira do céu azulíssimo; a de Romário Martins em que o índio caraíba puro bate a matraca, barquilhas duas por um tostão; essa Curitiba não é a que viajo. Eu sou da outra, do relógio na Praça Osório que marca implacável seis horas em ponto; dos sinos da igreja dos Polacos, lá vem o crepúsculo nas asas de um morcego; do bebedouro na pracinha da Ordem, onde os cavalos de sonho dos piás vão beber água.

Viajo Curitiba das conferências positivistas, eles são onze em Curitiba há treze no mundo inteiro; do tocador de realejo que não roda a manivela desde que o macaquinho morreu; dos bravos soldados do fogo que passam chispando no carro vermelho atrás do incêndio que ninguém não viu, esta Curitiba e a do cachorro-quente com chope duplo no Buraco do Tatu eu viajo.

Curitiba, aquela do Burro Brabo, um cidadão misterioso morreu nos braços da Rosicler, quem foi? quem não foi? foi o reizinho do Sião; da Ponte Preta da estação, a única ponte da cidade, sem rio por baixo, esta Curitiba viajo.

Curitiba sem pinheiro ou céu azul pelo que vosmecê é - província, cárcere, lar - esta Curitiba, e não a outra para inglês ver, com amor eu viajo, viajo, viajo.

(Texto de Dalton Trevisan extraído do livro "Mistérios de Curitiba", Editora Record, Rio de Janeiro, 1979, pág. 84.)

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

as coisas

O que
(se) foi
é (s)ido.



(Arnaldo Antunes in "as coisas" Ed. Iluminuras 1993)

sexta-feira, 19 de outubro de 2007



"Se você está construindo uma casa e um prego quebra, você deixa de construir, ou você muda o prego?"


(Provérbio africano)

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Não percamos a esperança, o show tem que continuar

O bêbado e o equilibrista

Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos...

A lua
Tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel

E nuvens!
Lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas
Que sufoco!
Louco!
O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Prá noite do Brasil.
Meu Brasil!...

Que sonha com a volta
Do irmão do Henfil.
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete
Chora!
A nossa Pátria
Mãe gentil
Choram Marias
E Clarisses
No solo do Brasil...

Mas sei, que uma dor
Assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança...

Dança na corda bamba
De sombrinha
E em cada passo
Dessa linha
Pode se machucar...

Asas!
A esperança equilibrista
Sabe que o show
De todo artista
Tem que continuar...

(Composição de João Bosco e Aldir Blanc, imortalizada na voz de Elias Regina)

terça-feira, 16 de outubro de 2007

QUE MUNDO É ESSE-1




AS CIRCUNTÂNCIAS EMOTIVAS LEVOU-ME A COMEÇAR PELA POBREZA E, A FORÇA DA FOTO TEM QUE SER A MANIVELA MESTRA QUE ME FARÁ AVANÇANDO EM DIREÇÃO AO PROGRESSO DA CARIDADE. O POSICIONAMENTO DO ABUTRE DEMONSTRA COMO A VIDA HUMANA É RESPEITADA NO MUNDO ANIMAL, POIS MESMO INDEFESO E ALHEIO A QUALQUER PERIGO, A CRIANÇA PADEÇE ESPERANDO O SEU ÚLTIMO GEMIDO E, O ALGOZ EM RESPEITO À MAIS BELA OBRA PRIMA DO MUNDO ANIMAL, AGUARDA QUE ESTE SUSPIRO SEJA DADO PARA QUE A CARNE SEJA DILACERADA SEM UM PINGO DE COMPAIXÃO OU PIEDADE POR SUAS GARRAS CORTANTES. PORÉM, A PROVIDÊNCIA DIVINA QUE DE TUDO SE APERCEBE, FEZ COM QUE ESTE FOTÓGRAFO APARECESSE NA HORA CERTA PARA REGISTRAR O FATO PARA O MUNDO E, O QUE PODE SE ENTENDER NA VERDADEIRA ACEPÇÃO DA PALAVRA POBREZA. EVITOU ASSIM QUE ESSA CENA DE HORROR FOSSE DEFINITIVAMENTE CONSUMADA.ESTA CENA REGISTRADA TERÁ QUE SER VISTA PELO MUNDO PARA QUE NÓS NOS APERCEBAMOS DO QUANTO ESTAMOS FRAGILIZADOS SOZINHOS A MERÇÊ DO ABANDONO DOS DA NOSSA PRÓPRIA ESPÉCIE E, QUANTAS VEZES LAMENTAMOS SEM RAZÃO. O AXIOMA DE QUE EU "LAMENTAVA POR NÃO TER SAPATOS, QUANDO VÍ UM SEMELHANTE SEM OS PÉS" DEVE SER TEMA DE PROFUNDA REFLEXÃO NO MAIS IMO DE M´ALMA E, ASSIM PRATICAR MAIS O DÁ DO QUE O RECEBER E, PARA DAR, EU TENHO QUE TER. SEREI CARIDOSO NA PROPORÇÃO DO AMOR QUE TRABALHO NO MEU DIA-A-DIA PARA AUMENTAR EM TERNURA E SENTIMENTOS. POR ISSO ME VEJO COMO UM LOUCO NESTE MUNDO TRANSVIADO QUE CORRE EM BUSCA MATERIAL DO MAIS; MAIS; MAIS E MAIS. O LOUCO CONSCIENTE É O QUE MAIS PRESERVA A SUA SANIDADE MENTAL, EVITANDO ASSIM SE IGUALAR AO MUNDO NAS ATROCIDADES COMETIDAS EM NOME DE UMA "GUERRA SANTA." SER LOUCO ME FEZ POETA E, SER POETA ME FAZ VER E SENTIR QUE O MUNDO É MUITO MAIS DO QUE A VISÃO FÍSICA VISLUMBRA...



(Texto de Wagner Lima Santos publicado no Recanto das Letras em 03/08/2006, disponível http://recantodasletras.uol.com.br/audios/cronicas/579)

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

RODA-VIVA

Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega o destino pra lá
Roda mundo, roda-gigante
Roda-moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a roseira pra lá
Roda mundo, roda-gigante
Roda-moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

A roda da saia, a mulata
Não quer mais rodar, não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou
A gente toma a iniciativa
Viola na rua, a cantar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a viola pra lá
Roda mundo, roda-gigante
Roda-moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

O samba, a viola, a roseira
Um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou
No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a saudade pra lá
Roda mundo, roda-gigante
Roda-moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração


(Chico Buarque para peça Roda-Viva - 1967)

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Ler e ponto!




"É absurdo que alguém tenha uma regra rígida e imutável para aquilo que deve ou não ler. Mais da metade da cultura moderna depende daquilo que a pessoa não deveria ler"



(Oscar Wilde - Aforismos - 1997, p.19)

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Será que cai a primeira pedra?

Esta charge do Bruno Galvão foi feita originalmente para o jornal ValeParaibano.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

PRECISO DIZER QUE EU TE AMO

Quando a gente conversa

Contando casos, besteiras

Tanta coisa em comum

Deixando escapar segredos

E eu não sei que hora dizer

Me dá um medo, que medo

É que eu preciso dizer que eu te amo

Te ganhar ou perder sem engano

É, eu preciso dizer que eu te amo

Tanto

E até o tempo passa arrastado

Só pra eu ficar do teu lado

Você me chora dores de outro amor

Se abre e acaba comigo

E nessa novela eu não quero

Ser teu amigo

É que eu preciso dizer que eu te amo

Te ganhar ou perder sem engano

É, eu preciso dizer que eu te amo

Tanto

Eu já nem sei se eu tô misturando

Eu perco o sono

Lembrando em cada riso teu

Qualquer bandeira

Fechando e abrindo a geladeira

A noite inteira

É que eu preciso dizer que eu te amo

Te ganhar ou perder sem engano

É, eu preciso dizer que eu te amo

Tanto

(música de Dé, Bebel Gilberto e Cazuza)

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Recebi no início de um curso hoje, e apesar de ser dia de crônica, serei obrigada a abrir uma excessão. A razão para esta no fato deste poema oferecer " possibilidades de respostas" à algumas de minhas angústias das últimas horas.



Mesmo avisando eles não conseguem reverter o processo,rsrsrsrs

Como as mulheres dominaram o mundo

Conversa entre pai e filho, por volta do ano de 2031, sobre como as mulheres dominaram o
mundo.
Foi assim que tudo aconteceu, meu filho... Elas planejaram o negócio discretamente, para que não notássemos. Primeiro elas pediram igualdade entre os sexos. Os homens, bobos, nem deram muita bola para isso na ocasião.Parecia brincadeira. Pouco a pouco, elas conquistaram cargos estratégicos:Diretoras de Orçamento, Empresárias, Chefes de Gabinete, Gerentes disso ou daquilo.
- E aí, papai?
- Ah, os homens foram muito ingênuos. Enquanto elas conversavam ao telefone durante horas a fio, eles pensavam que o assunto fosse telenovela...Triste engano. De fato, era a rebelião se expandindo nos inocentes intervalos comerciais. "Oi querida!", por exemplo, era a senha que identificava as líderes."Celulite" eram as células que formavam a organização.Quando queriam se referir aos maridos, diziam "o regime".
- E vocês? Não perceberam nada?
- Ficávamos jogando futebol no clube, despreocupados.E o que é pior: continuávamos a ajudá-las quando pediam. Carregar malas no aeroporto, consertar torneiras, abrir potes de azeitona, ceder a vez nos naufrágios.Essas coisas de homem. Aí, veio o golpe mundial !?Sim o golpe. O estopim foi o episódio Hillary-Mônica. Uma farsa. Tudo armado para desmoralizar o homem mais poderoso do mundo. Pegaram-no pelo ponto fraco, coitado. Já lhe contei, né? A esposa e a amante, que na TV posavam de rivaiseram, no fundo, cúmplices de uma trama diabólica.Pobre Presidente... Como era mesmo o nome dele?William, acho.Tinha um apelido, mas esqueci... Desculpe, filho, já faz tanto tempo...
- Tudo bem, Papai. Não tem importância. Continue...
- Naquela manhã a Casa Branca apareceu pintada de cor-de-rosa. Era o sinal que as mulheres do mundo inteiro aguardavam. A rebelião tinha sido vitoriosa!Então elas assumiram o poder em todo o planeta.Aquela torre do relógio em Londres chamava-se Big-Ben, e não Big-Betty, como agora... Só os homens disputavam a Copa do Mundo, sabia? Dia de desfile de moda não era feriado.Essa Secretária Geral da ONU era uma simples cantora. Depois trocou o nome, de Madonna para Mandona...
- Pai, conta mais...
- Bem filho... O resto você já sabe. Instituíram o Robô-Troca-Pneu como equipamento obrigatório de todos os carros... a Lei do Já-Prá-Casa, proibindo os homens de tomar cerveja depois do trabalho... E, é claro, a famigerada semana da TPM, uma vez por mês...
- TPM ???- Sim, TPM... A Temporada Provável de Mísseis... É quando elas ficam irritadíssimas e o mundo corre perigo de confronto nuclear....
- Sinto um frio na barriga só de pensar, pai...
- Sssshhh! Escutei barulho de carro chegando. Disfarça e continua picando essas batatas...

(Luiz Fernando Veríssimo)

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Talvez essa pedra seja o motivo pra eu continuar andando. Misterioso não?

Media in via




Media in via erat lapis



erat lapis media in via



erat lapis



media in via erat lapis.






Non ero unquam immemor illius eventus



pervivi tam míhi in retinis defatigatis.



Non ero unquam immemor quod media in via



erat lapis



erat lapis media in via



media in via erat lapis.







(Tradução para o latim Silva Bélkior)



(Texto original de Carlos Drummond de Andrade. No meio do caminho. Retirado do Jornal de poesia)

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Hoje é sexta!!!



"Quando eu ouço alguém suspirar, A vida é dura, eu sempre sou tentado a perguntar, comparado a que?" (Sydney J. Harris)

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Infelismente não é mais uma novela da Globo



Charge do Sinfrônio para o jornal "Diário do Nordeste". Publicada em 1° de outubro.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Telegrama

eu tava triste tristinho
mais sem graça que a top model magrela
na passarela
eu tava só sozinho
mais solitário que um paulistano
que um canastrão na hora que cai o pano
(que um vilão de filme mexicano)
tava mais bobo que banda de rock
que um palhaço do circo vostok
mas ontem eu recebi um telegrama
era você de aracaju ou do alabama
dizendo nego sinta-se feliz
porque no mundo tem alguém que diz:
que muito te ama que tanto te ama
que muito muito te ama que tanto te ama
por isso hoje eu acordei
com uma vontade danada
de mandar flores ao delegado
de bater na porta do vizinho
e desejar bom diade beijar o português da padaria
mama oh mama oh mama
quero ser seu
quero ser seu
quero ser seu
quero ser seu papa
Eu tava triste tristinho
mais sem graça que a top model magrela
na passarela
eu tava só sozinho
mais solitário que um paulistano
que um vilão de filme mexicano
tava mais bobo que banda de rock
que um palhaço do circo vostok
mas ontem eu recebi um telegrama
era você de aracaju ou do alabama
dizendo nego sinta-se feliz
porque no mundo tem alguém que diz:
que muito te ama que tanto te ama
que muito te ama que tanto tanto te ama
por isso hoje eu acordei
com uma vontade danada
de mandar flores ao delegado
de bater na porta do vizinho
e desejar bom dia
de beijar o português da padaria
mama oh mama oh mama
quero ser seu
quero ser seu
quero ser seu
quero ser seu papa
Me dê a mão vamos sair
Prá ver o sol!

Composição: Zeca Baleiro

terça-feira, 2 de outubro de 2007


Um dos textos Millôres que já li, simplesmente fantástico!

Como nasceu o vinho

"Ao leitor desavisado pode parecer incrível aquilo que vou dizer, mas é a verdade mais pura: houve um tempo em que não havia uísque sobre a face da terra (nem de nenhum outro planeta, ao que se saiba). Nem uísque, nem qualquer bebida destilada, nem qualquer bebida alcoólica de qualquer natureza. Nem mesmo o vinho, fabricado na simples fermentação, pai, ou mãe, de todas as bebidas. Basta dizer que, nessa época inglória e tediosa da humanidade, os homens se reuniam nos bares (que um negociante mais hábil já abrira à espera de que alguém inventasse as bebidas) e bebiam água, a terrível água potável que os próprios compêndios definem como inodora, insossa e incolor. Evidentemente, os mais machões botavam dentro da água escorpiões, pimenta malagueta, e outras especiarias picantes e assim salvavam sua reputação diante da posteridade, chegando mesmo, alguns, a fingir um porre que só os séculos vindouros haveriam de trazer. Um dia, porém, sem que esse tivesse nada de extraordinário, um indivíduo chamado Álvaro saiu de uma aldeia em direção a outra, montado na sua mula de estimação, e, com essa viagem normal e rotineira, entrou para a história pela larga porta dos bares do mundo. Álvaro não era um homem fora do comum, era até meio idiota, mas acontece que a história é feita tanto pelo materialismo dialético quanto pelos acasos que a tecem e a regem. E o acaso era que Álvaro levava na sua bagagem alguns cachos de uva com que se entreter durante a viagem. E, como não gostava da casca nem dos caroços da uva, teve a idéia de gênio de espremer o caldo, apenas o caldo, dentro do cantil. Assim preparado, e daquela forma montado, lá se foi ele pelos caminhos de sempre, no troloc-troloc de todas as mulas. Quis, porém, o destino, que dormisse. E quis mais - que a mula perdesse o rumo. Foram sete dias de caminhadas por lugares ínvios e tropicalíssimos, o debilóide Álvaro nada tendo com que se alimentar a não ser o caldo de uvas que levava no cantil. Estranhamente, porém, a partir do terceiro dia, ele notou que o caldo que levava espumava, mudava de cor e gosto. E que, ao tomar o caldo, ele, Álvaro, se sentia de novo recomposto e pronto para viajar mais 24 horas. Tanto que, quando chegou a seu destino, depois de uma semana, ele declarou logo que, apesar de tudo, fizera a viagem mais maravilhosa de sua vida. Não fora, positivamente, uma bad-trip. Imediatamente, todo mundo quis experimentar a bebida de Álvaro, mas, como a bebida acabasse rapidamente, inúmeros candidatos a bêbedo começaram a percorrer o mesmo trajeto que ele, munidos de alforjes cheios de suco de uva, escondidos embaixo do traseiro quente. E logo a estrada se transformou na maior via turística da Espanha, e a Municipalidade, querendo aumentar a produção do milagroso líquido, transformou a estrada no labirinto mais sinuoso e complicado de toda a cristandade. Uma vez, porém, uma mula, teimosa como todas as de sua raça, resolveu empacar no meio da estrada, ficou uma semana em pleno sol sem se mover do lugar e o dono do animal descobriu, subitamente, um avanço na fabricação da bebida, concluindo que não era a caminhada que a produzia, mas a fermentação através dos raios solares. E aí se inventaram os alambiques. E aí se criaram os vinhos especiais, os álcoois em geral e as aguardentes em particular. E aí vieram as cervejas, as garrafas e as latas indestrutíveis e sem devolução. E aí foi inventada a poluição. Mas isso é outra história. PS - Por que a bebida se chamou vinho? O homem se chamava Álvaro, como dissemos. Na intimidade, Alvinho. A homenagem foi apenas natural. MORAL: O verdadeiro toque de gênio do primeiro bêbedo da história foi se lembrar de levar caldo de uva para se dessedentar. Se, por exemplo, tivesse levado leite, o mundo hoje teria que se contentar em se embriagar com coalhadas e ricotas".

(Crónica de Millôr Fernandes extraída do livro "Fábulas Fabulosas")

segunda-feira, 1 de outubro de 2007



Vou-me Embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do reiLá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou felizLá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüenteQue Joana a Louca de EspanhaRainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginásticaAndarei de bicicleta
Montarei em burro braboSubirei no pau-de-seboTomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilizaçãoTem um processo seguro
De impedir a concepçãoTem telefone automático
Tem alcalóide à vontadeTem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
(Lá sou amigo do rei)
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

Texto extraído do livro "Bandeira a Vida Inteira", Editora Alumbramento – Rio de Janeiro, 1986, pág. 90